João Ferreira Rosa
Voltemos à História. Haveria alguma razão para se derrubar a Monarquia em Portugal, há cem anos?

Nenhuma. Era uma das Monarquia mais livres e avançadas da Europa. Portugal foi dos primeiros países europeus a ter um Partido Socialista. E fomos a única Monarquia da época a permitir um Partido Republicano. A liberdade em Portugal era tal que acabou por permitir que se desse a mão aos criminosos. O Marquês de Belas contava que uns fiéis, cheios de boas intenções, foram ter com o Senhor D. Carlos, pouco antes do regicídio, e disseram: “Meu Senhor, temos de pôr fora de combate meia dúzia de criminosos”. E o Senhor D. Carlos respondeu: “Não quero sangue!”. Não deixou. Tinham resolvido o problema. Não era assim tanta gente. Era o sr. José Relvas e meia-dúzia de milionários e uns condes e viscondes traidores. Eram uns comerciantes ricos. Foram eles que fizeram o 5 de Outubro, apoiados pelos galegos da Baixa de Lisboa que foram para a Rotunda fazer número, como reconheceu o Raúl Rêgo (que até sugeriu que lhes fizessem uma estátua), e também pelos de Aldeia Galega, hoje Montijo, que se vangloriam de terem sido os primeiros a hastear a bandeira republicana. A I República não teve o mesmo prurido do Senhor D. Carlos. A República não era de prender: matava os seus inimigos, eliminava quem se lhe opunha. Até sindicalistas! Levavam-nos para Monsanto e abatiam-nos sem misericórdia. Nem sei como é que há comunistas que podem admitir, sequer, a ideia de República Portuguesa. Só por ignorância do que a República fez. 

Mas o Bernardino Machado dizia que a República não se queria implantar sobre um crime…

Isso era conversa. Uma coisa que eles tinham era aqueles dotes oratórios, à maneira francesa. Aliás, em tudo da República se vê a influência francesa e jacobina. Paris era tudo. Os meninos vinham de Paris, trazidos num berço no bico das cegonhas. Falava-se à mesa em francês, para as criadas não perceberem. Era uma snobeira pegada. Os políticos portugueses, esses doutores de aldeia, viviam deslumbrados com Paris. A República continuou o fascínio provinciano. E os grandes políticos da República, ou estavam em Lisboa a fazer negócios e a roubar, ou se exilavam em Paris, nos melhores hotéis, a completar negócios com o nosso Ultramar. Por isso especializaram-se naquela oratória importada, papagueada com grandes declamações. Mas, por melhor que falassem, não conseguiram ocultar esta verdade: a República assenta num lago de sangue. Assenta no homicídio do Rei e do Príncipe Real. Num regicídio. Salvaram-se a Rainha e o Infante D. Manuel (ferido). É um crime que nunca foi julgado. Não foi o povo quem matou o Rei e o Príncipe Real, foram os carbonários que fizeram o regicídio, que apavorou o povo, como contava o Mestre Alfredo Marceneiro. Ele era operário, morava em Santa Isabel e viveu todo esse período. 

Que contava ele?

Contou-o há trinta anos, em Pintéus, durante um programa de fados para a televisão em que insistiram para eu gravar uma conversa com ele. Eu nunca tinha feito entrevistas, não tinha experiência nesse campo e não sabia o que havia de lhe perguntar. Mas insistiram e lá aceitei. E como era o dia 5 de Outubro, perguntei-lhe: “Ó Tio Alfredo, hoje é dia 5 de Outubro. Isto diz-lhe alguma coisa?”. E ele respondeu-me: “Sim, filho. Eles, primeiro, mataram o Rei e o Príncipe. Em Lisboa, o povo ficou a chorar. Passados dois anos, andaram grupos pelas ruas, aos tiros e aos gritos, a dizer ‘não saiam de casa, que é uma revolução!’. O povo acobardou-se e eles fizeram a República”. E foi realmente assim. Os republicanos tinham criado um clima de pavor e o povo tinha medo. A República foi feita em Lisboa e o resto do País soube pelo telégrafo. O povo não teve nada a ver com isso. E ainda hoje vejo muito pouca gente a intitular-se republicana. 

Que nos trouxe, afinal, o 5 de Outubro? 

O 5 de Outubro só nos trouxe duas coisas: miséria e sangue. Está marcado pela violência, pela Formiga Branca, pela Leva da Morte, por muitos e muitos terroristas tenebrosos republicanos. A propaganda republicana diz que fizeram muitas escolas. Muitas escolas? As chamadas “escolas republicanas”, do Magalhães Lima e quejandos, eram como as escolas soviéticas, coisas para lavar o cérebro aos meninos, em que a República era apresentada de mamas ao léu e se dizia que os Reis andavam a cavalo e batiam na gente. Uma corja! Querem agora comemorar estes bandalhos, como se fossem uns heróis. O que eles foram foi traidores, assassinos e ladrões. Por isso, estes criminosos têm de ser julgados. Não é comemorar os cem anos: é julgar a República! Até podia, por absurdo, ser absolvida. Mas é preciso que os portugueses saibam quem a fez e porquê. E contar a história toda. E dar a conhecer os testemunhos de quem viveu aquele horror, como o Marceneiro e milhares de outros portugueses. Esse, como homem do povo, conhecia bem quem eram os republicanos e o que fizeram aos operários e sindicalistas. O povo conhece melhor do que ninguém esta corja. Por isso eu sempre disse: “Façam o referendo!”. Mas a República nunca o fez. O povo, na sua essência, é monárquico. E quanto mais humilde, mais razões tem para não ser republicano. Nas casas da gente do povo, quando os filhos começavam a desnortear e a serem malandros, os pais diziam: “Olha que isto aqui não é uma república!”. É uma expressão bem popular, que cada vez está mais certa.

Nunca ninguém viu essa entrevista com o Marceneiro…

Pois não! O programa esteve muito tempo suspenso e só acabou por ir para o ar sem essa entrevista, censurada por ser “incómoda” para o Sistema… 

Ser monárquico não é cómodo.

Eu sei bem. O meu Pai era profundamente monárquico, por convicção, por estudo. Era da Madeira e veio muito novo para a Universidade de Lisboa. Eu tive a sorte do que aprendi em casa dos meus Pais. O ser justo, até em relação a mim próprio. O sentido de justiça. O sentido da família. Agora quase querem acabar com a família. Ter uma família normal, com o pai, a mãe e os filhos a viverem num lar, felizes e contentes, qualquer dia parece mal. Graças a esse ambiente familiar, e também pelo estudo e por convicção, fui monárquico muito novo. E lembro-me de que, quando tinha onze ou doze anos e dizia que era monárquico, alguns dos meus colegas riam-se. Sempre a propaganda republicana a trabalhar! Achavam que ser monárquico era uma coisa antiga. Quando é o contrário. Claro que depois encontrei outros jovens monárquicos, e distribuíamos panfletos quando havia eleições presidenciais, “Viva a liberdade!”, aquelas coisas. E organizámos o DPR (“Deus, Pátria, Rei”), sempre com grandes preocupações de justiça social. A Infanta Senhora D. Maria Adelaide dava-nos cartas de pessoas que tinham escrito a pedir auxílio e íamos visitar essas pessoas, ajudar no que era possível. Para mim, a ideia de Monarquia esteve sempre muito ligada à ideia de Justiça.
O facto de serem poucos não o desanimava?

Não, antes pelo contrário. E sinto que cada dia tenho mais razão. O espectáculo que vejo na Assembleia da República põe-me cada vez mais anti-republicano. Cada dia que passa vejo mais razões para detestar esta velha tenebrosa, sinistra, pior do que a madrasta da Branca de Neve, esta velha horrível que vai fazer cem anos. É por isso que o facto de ser anti-republicano é quase mais forte em mim do que o facto de ser monárquico. Ser monárquico acho completamente natural em qualquer pessoa que abra os olhos e veja a diferença.   

Que interesses moviam os republicanos do 5 de Outubro?

Ficarem donos disto, tomarem conta dos negócios em África e no mundo português, de tudo. Como sinal de domínio, até puseram a esfera armilar na sua bandeira. Por isso tinham de começar por tentar acabar com o respeito ao Rei, que era o grande travão aos republicanos. A honestidade da Família Real representava para os portugueses um exemplo. O Rei D. Carlos não tinha Corte, não dava festas, acima de tudo era um grande artista, um grande cientista e um defensor da liberdade. Por isso o mataram. O que os republicanos queriam era tratar dos seus interesses pessoais. Abocanharem tudo, sem amor a nada. O amor deles era dinheiro e poder. Arrastaram o povo para a guerra de 1914 para fazerem os seus negócios, a pretexto de obterem “o reconhecimento da República” e de irem ajudar os Aliados, quando a própria Inglaterra dizia “Não venham, que só empatam!”. E com isto morreram milhares de pessoas, milhares de soldados, filhos do povo mais pobre. Um crime sem nome. Tal como hoje em dia, em que a maior parte está metida em falcatruas e embrulhadas. Dantes era carne para canhão, hoje é carne para betão. Basta olhar para eles: está-lhes escrito na cara. São figuras da Revolução Francesa e da I República. São sinistros. Com este desprezo pelo povo, o que eles mostram é que não são portugueses, têm ódio aos avós, raiva às suas raízes. Desprezam “a ralé”. Olha-se para a galeria de retratos dos grandes republicanos e vemo-los todos muito inchados da sua própria importância. Uma corja!

Souberam trabalhar bem a propaganda….

Claro, começaram por dominar a Imprensa. Chegou-se ao ponto, na Monarquia, de praticamente não haver jornais monárquicos. A Família Real era insultada nos jornais. A democracia mais livre da Europa era a portuguesa. Diziam coisas horrorosas do Rei e da Rainha D. Amélia, dos Príncipes, tudo. Difamavam sem pudor. Ora, os nossos Reis eram dos melhor preparados da Europa. Quando o Senhor D. Carlos foi assassinado, os próprios republicanos franceses disseram: “Mataram o Chefe de Estado mais culto da Europa”. Com a idade com que foi assassinado, deixou uma obra extraordinária como estadista, como cientista, como artista, como se tivesse vivido duzentos anos. A visão do Rei sobre a importância do mar é uma coisa que só agora compreendemos bem como era acertada. A principal função do iate real era científica, para estudar as espécies, o fundo do mar. Com a República, parou tudo. O que Portugal seria se os estudos do Senhor D. Carlos tivessem continuado naquela altura! A Família Real estava muito à frente, mesmo em termos europeus. A ideia do turismo de qualidade é introduzida pela Rainha Maria Pia. Tínhamos uma Realeza de altíssima qualidade. Como não suportavam a ideia de o Senhor D. Carlos ser um aguarelista exímio, admirado internacionalmente, os porcos dos republicanos até diziam que era um italiano que cá vinha pintar os quadros do Rei, quando se sabe que ele era um pintor extraordinário. Inventavam tudo!

O centenário da República é uma boa ocasião para esclarecer.

É uma boa ocasião para pôr a nu os criminosos que fizeram o 5 de Outubro: apenas traidores, assassinos e ladrões. Não há um que preste. É por viver debaixo de uma República imposta, sem referendo, que Portugal está mais pobre e cheira mal. Eu só pergunto: o que foi, então, que ganhámos com a expulsão da Família Real?

Para fazer um referendo sobre o regime, será preciso alterar a Constituição, que diz que a República é intocável…

Aí está uma razão para não se poder respeitar a actual Constituição, que é o resultado de uma ditadura que subsiste há cem anos e já teve não sei quantos golpes de Estado. Em Inglaterra não têm Constituição escrita e não é por isso que deixam de ser uma Nação avançadíssima. Mas só o facto de o texto constitucional da República não permitir sequer que o regime possa ser questionado mostra bem a perfídia e a hipocrisia dos republicanos. O Medina Carreira é que os desmascara. Esse grande senhor daria um grande conselheiro do Rei de Portugal. Diz as verdades. Só que, depois, nada acontece. Ele chama-lhes ladrões, chama-lhes tudo, mas eles não têm coragem de levar o senhor a tribunal! São uns cobardes. Nem sequer têm coragem para processá-lo. Fazem que não lêem. Não me parece que tenham coragem para fazer um referendo ao regime. Mas tinham de fazê-lo. Não para nos perguntarem se queremos Monarquia, mas para nos perguntarem se queremos República. Essa é a pergunta que esperamos há cem anos e ainda não nos foi feita.

Já tudo se prepara, entretanto, para a eleição de mais um Presidente da República...

Nós, os Portugueses, estamos “condenados” a não ter sossego, a ter de gramar as “batalhas” presidenciais para ficarmos, daqui a mais de um ano, com um Professor Cavaco, ou um poeta Alegre, ou um médico turista que só vê miséria além-fronteiras, ou qualquer outro megalómano pomposamente instalado no Palácio de Belém. Ou a actual família presidencial ou uma nova família presidencial. A mesma primeira-dama ou uma nova primeira-dama. A mesma numerosíssima Corte ou uma nova numerosíssima Corte. “À grande e à francesa”! Até lá, vamos assistir às mais que “merecidas” comemorações do centenário da mais que “memorável” República Portuguesa! Ora, todos estes males se resolvem com um Rei ou Rainha. As Monarquias, além de tudo o que têm de mais democráticas, livres e ricas, não perdem tempo a discutir quem vão ser os próximos Chefes do Estado. Que chatice! Nós não precisamos disto. Portugal tem quase mil anos. Temos uma História que nos deixou direitos e regalias que não podemos perder. Temos direito a ter Reis. Façam um referendo: Monarquia ou República. Os emigrantes portugueses que trabalham nas Monarquias do mundo que venham testemunhar as diferenças entre as democracias reais e as repúblicas. Façam o referendo, corrijam a história, não nos roubem mais.

Terminamos?

Terminamos com um brinde: viva Portugal!